A Ciência ao serviço da História

No meu primeiro texto fiz referência que, não raras vezes, a interface ciência-humanidades apresenta um interessante potencial para ser explorado. A forma mais visível de tal exploração será, talvez, o ramo de História da Ciência, mas há outros exemplos que ilustram os benefícios desta simbiose.

É o caso que hoje aqui trago em que antigos manuscritos foram decifrados graças à aplicação de modernas tecnologias. Claudius Galenus, também conhecido por Galeno, foi um médico romano de origem grega do século II cuja influência no conhecimento médico e farmacológico perdurou durante largos séculos. As obras de Galeno encontram-se agrupadas na colecção “Galenic corpus” sendo que, ao longo dos tempos, várias traduções foram sendo feitas ajudando na sua disseminação na Europa e Ásia.

É o caso de “On the Mixtures and Powers of Simple Drugs” que, no século VI, foi traduzido para a língua siríaca característica do Médio Oriente. Lamentavelmente, no século XI, seguindo os costumes da Idade Média, os pergaminhos com a obra traduzida foram usados como um palimpsesto, ou seja, procedeu-se à remoção do texto original para a escrita de novos textos (no caso, religiosos).

É aqui que as técnicas hoje disponíveis entram em cena e, no último mês de Março, uma equipa de investigação do Stanford Synchrotron Radiation Lightsource (SSRL, Califórnia, Estados Unidos) conseguiu aceder ao texto de Galeno graças ao uso de radiação de sincrotrão. Para tal, começaram por usar diferentes tipos de radiação electromagnética (radiação visível, ultravioleta e infravermelha) o que permitiu uma identificação parcial da obra. O uso da técnica de fluorescência de raios-X complementou a anterior abordagem tornando possível distinguir os dois textos nos pergaminhos pelas diferentes propriedades de fluorescência apresentadas pelas respectivas tintas usadas que diferem no conteúdo em metais (nomeadamente ferro, zinco, mercúrio e cobre).

A análise do texto de Galeno será certamente útil para melhor caracterizar o conhecimento médico da época reforçando a importância destas abordagens. Pormenores adicionais podem ser encontrados online (https://www6.slac.stanford.edu/news/2018-03-22-hidden-medical-text-read-first-time-thousand-years.aspx).

Soldados (semi)desconhecidos da Ciência

Os grandes feitos e avanços da humanidade devem-se, na sua generalidade, a um conjunto mais ou menos alargado de pessoas. No entanto, é frequente que apenas os maiores líderes fiquem registados na História o que, convenhamos, acaba por ser natural. A Ciência segue esta mesma regra como facilmente se conclui olhando para os Prémios Nobel: cada vez mais, os laureados representam uma vasta equipa de trabalho.

Assim sendo, é também possível encontrar na História alguns investigadores que “ficam para trás” em dadas descobertas. O caso de Rosalind Franklin na descoberta da estrutura do DNA é particularmente mencionado entre os cristalógrafos e talvez um dia o aborde neste espaço. No entanto, o “feliz” contemplado de hoje é o naturalista galês Alfred Russel Wallace (1823-1913) já que se cumprem precisamente 160 anos da apresentação pública do seu trabalho sobre a evolução das espécies a 1 de Julho de 1858 à “Linnean Society of London”.

Não pretendendo entrar em detalhes biográficos, as observações e pesquisas de Wallace sobre diferentes espécies levaram-no a ser correspondente de Darwin cujo prestígio era já então reconhecido. Nos inícios de 1858, Wallace preparou um ensaio intitulado “On the Tendency of Varieties to Depart Indefinitely From the Original Type” que Darwin recebeu no dia 18 de Junho do mesmo ano. Constatando grandes semelhanças entre as suas teorias (não publicadas) e aquelas descritas por Wallace, Darwin pediu conselhos a Lyell e Hooker que resolveram apresentar os trabalhos dos dois autores em simultâneo embora realçando o trabalho de Darwin. A partir daqui, “o resto é História”: a obra “A Origem das Espécies” foi publicada no ano seguinte fazendo de Darwin o grande obreiro da teoria da selecção natural e relegando Wallace para segundo plano.

Não sendo um caso crítico – os contributos de Wallace foram e continuam a ser, apesar de tudo, reconhecidos – é ilustrativo que, não raras vezes, “estar no sítio certo, à hora certa” é essencial para se conseguir importantes conquistas e reconhecimentos. Uma máxima que, sem surpresas, é tanta vez aplicada também no dia-a-dia.

À procura da… origem etimológica dos nomes dos aminoácidos

Tal como a generalidade dos vocábulos usados no dia-a-dia, também os nomes científicos possuem uma dada origem que é comumente desconhecida. Assim sendo, e baseando-me maioritariamente num artigo de Sam H. Leung publicado no já distante ano de 2000 (Journal of Chemical Education, 77, 48-49), mas apenas recentemente descoberto por mim, apresento hoje a origem da designação dos vinte aminoácidos.

Alanina (Ala, A) – Proveniente de aldeído (reagente usado na síntese química do aminoácido).   

Arginina (Arg, R) – Do latim argentum (prata) visto cristalizar como um sal de prata.

Asparagina (Asn, N) – Primeiramente identificado em espargos (Asparagus officinalis).

Aspartato (Asp, D) – Origem semelhante à asparagina.

Cisteína (Cys, C) – Do grego kystis (bexiga) visto ter sido descoberta em cálculos (pedras) da bexiga.

Fenilalanina (Phe, F) – Alanina com um grupo fenil (C6H5).

Glutamato (Glu, E) – Primeiramente identificado no glúten.

Glutamina (Gln, Q) – Origem semelhante ao glutamato.

Glicina (Gly, G) – Do grego glykys (doce) devido ao seu sabor doce.

Histidina (His, H) – Do grego histidin (tecido).

Isoleucina (Ile, I) – Isómero da leucina.

Leucina (Leu, L) – Do grego leukos (branco) visto formar cristais dessa cor.

Lisina (Lys, K) – Do grego lysis visto ter sido identificada na hidrólise da caseína.

Metionina (Met, M) – Do grego theion (enxofre) visto possuir um átomo de enxofre e um grupo metil (CH3).

Prolina (Pro, P) – Derivado de pirrolidina visto conter este anel (C4H9N).

Serina (Ser, S) – Do latim sericum (seda) visto ter sido primeiramente identificada em seda.

Treonina (Thr, T) – Deriva de treose uma vez que partilha uma estrutura semelhante a esse monossacarídeo.

Triptofano (Trp, W) – Do grego tryptic (pancreático) e phanein (aparecer) visto ter sido identificado a partir de uma digestão pancreática de proteínas.

Tirosina (Tyr, Y) – Do grego tyros (queijo) uma vez que se encontra abundantemente em queijo.

Valina (Val, V) – Derivado do ácido valérico (C4H9COOH) de plantas do género Valeriana.

Era uma vez…Episódios da vida académica e científica

Nascido e criado nesta terra de sonhos que é a Margem Sul, cedo senti a necessidade de explorar o vasto mundo que nos rodeia. Foi assim natural, após demorada ponderação, a minha escolha em 2006 por uma faculdade que me permitia essa mesma exploração: afinal teria que mudar de freguesia todos os dias o que nunca tinha acontecido na minha (ainda) jovem vida. Começou assim um já razoavelmente longo percurso que incluiu uma licenciatura (Biologia Celular e Molecular), um mestrado (Biotecnologia) e um Doutoramento (Bioquímica Estrutural) na instituição de referência que dá pelo nome de Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa (no meu tempo FCT/UNL, nos dias de hoje FCT/NOVA).

Os meus actuais interesses de investigação passam pela aplicação de técnicas de Biologia Estrutural ao processo de desenvolvimento de novos fármacos (vulgo drug design) e espero, assim haja financiamento e saúde, continuar focado neste tópico nos próximos tempos.  

Quem me conhece sabe que nunca resisto a opinar, intervir em discussões e manifestar a minha opinião pelo que faz todo o sentido começar a colaborar neste projecto. Quem me conhece também, saberá que a frase anterior não corresponde exactamente à verdade o que torna a minha participação ainda mais meritória.

Veremos o que resulta daqui, mas desconfio que a maioria dos textos irão abordar aspectos e curiosidades na interface ciência-humanidades que, tantas vezes ignorada ou desvalorizada, possui um interessante potencial para ser explorado.