O Congresso de Karlsruhe

A percepção da passagem do tempo é, nestes dias, algo que escapa (ainda mais) ao nosso controlo. De que forma é que isto se irá relacionar com o post? Pouca ou nenhuma, na verdade, mas dá um ar sábio que ajuda a justificar a recente ausência de actividade no blogue. Posto isto, avancemos para o tema de hoje.

Há uns (largos) tempos, cortesia da pandemia, passei os olhos por uma aula de Físico-Química do Ensino Básico da Telescola (pomposamente designada por “Estudo em Casa”) na qual foi referido o Congresso de Karlsruhe: o primeiro congresso internacional na área da Química realizado há mais de 160 anos (mais precisamente entre os dias 3 e 5 de Setembro de 1860) na então capital do Grão-Ducado de Baden (hoje Alemanha).

Estamos tão habituados a participar em cursos, conferências e congressos (como, de resto, já aqui destacámos) que poderá ser difícil imaginar que nem sempre assim foi. O século XIX foi pródigo em avanços científicos e a Química não foi excepção enfrentando problemas de uniformização de conceitos e nomenclaturas (nomeadamente sobre a teoria atómica). Assim sendo, August Kekulé, Adolphe Wurtz e Karl Weltzien resolveram reunir cerca de 140 personalidades de doze países – incluindo Portugal que se fez representar por Matias de Carvalho e Vasconcelos (Universidade de Coimbra) – para a sua possível resolução.

Embora os congressistas não tenham chegado a conclusões definitivas – sendo interessante notar a existência dos blocos opostos francês e germânico condizentes com a situação política europeia da época – o Congresso de Karlsruhe teve os seus méritos dos quais, porventura, se destaca a aceitação do actual conceito de peso atómico o que, por sua vez, esteve na base nas propostas de Tabela Periódica apresentadas por Dmitri Mendeleev e Julius Meyer nos anos seguintes.

Mais pormenores sobre o Congresso de Karlsruhe podem ser consultados aqui:

https://b-quimica.spq.pt/magazines/BSPQuimica/653/article/30001694

Reuniões “em linha”

Tomei conhecimento da existência do Zoom, pasme-se, numa reunião presencial no passado dia 9 de Março. Menos de uma semana depois, a Faculdade, na sua incessável senda de progresso e modernidade, anunciava o seu encerramento.

Desde aí, tivemos já várias reuniões de grupo futuristas incluindo dois treinos de teses de Doutoramento (curiosamente ambas defendidas de igual modo futurista). Citando o Mestre Quim Barreiros – gesto que, de resto, deveria estar consagrado na Constituição e ser prática corrente no mundo académico-científico – “satisfaz, mas não consola”. Dito isto, saliente-se que, neste tempos, a possibilidade de continuar a estabelecer contacto regular é excelente e, com as devidas ponderações, será uma (ainda mais) importante ferramenta para o futuro pós-pandemia. Que ponderações são essas? Talvez um dia me debruce sobre o dossier…

Lá Vamos, Cantando e Rindo

 

Para os poucos (que me perdoem se assim não for) que possam associar o título deste post ao primeiro verso do hino da Mocidade Portuguesa, não se exaltem. Não pretendo apresentar um texto de enaltecimento de tal organização juvenil que, nestes dias implacáveis do politicamente correcto, rapidamente iria ser catalogado como uma ode aos tempos da Outra Senhora.

O efeito perverso (e perigoso) deste tipo de pensamento ficará para outras núpcias. Mantenhamo-nos, no imediato, no tema que norteia este blogue: a ciência. Num rasgo de criatividade que quase me leva a acreditar que estou a escrever um artigo para o jornal Público, não deixo de sentir que o estado da ciência em Portugal se adequa bem a esse verso: “vai indo”. E bem sabemos o que esta expressão – quase que arriscaria a elevá-la a património imaterial português – significa: “vai mal”.

A política científica nacional seguida nos últimos anos é, no mínimo, discutível. Sob a louvável bandeira de combate à precariedade, várias medidas mais ou menos profundas foram aprovadas no sentido de promover o contrato de trabalho como mecanismo preferencial de vínculo em detrimento das bolsas de investigação. Necessário? Sem dúvida. Justo? Parece-me óbvio. Anunciado com pompa e circunstância? Confere. Eficaz? Tenho (sérias) reservas.

Tal como afirmei, num plano teórico, as medidas são positivas. Melhor dizendo, as intenções das medidas são positivas. Quais são então as razões para o descontentamento generalizado da comunidade? É uma pergunta legítima para a qual julgo não existir uma resposta universal que se adeque transversalmente a milhares de investigadores.

Ainda assim, a postura dos responsáveis máximos – com o Senhor Ministro à cabeça – certamente que não contribui para acalmar as hostes. De igual forma, o aparente experimentalismo das medidas parece-me não ajudar muito. Assumindo uma postura marcadamente empírica (John Locke e David Hume ficariam orgulhosos) de “fazemos e logo vemos no que dá”, as instâncias governativas conseguiram lançar ainda mais incertezas a um mundo já ele bastante nebuloso o que, reconheça-se, acaba por ser um feito notável.

Tomemos por exemplo o fim das bolsas de pós-doutoramento. Teria sido, porventura, sensato não trocar o mau (mas ainda assim existente) sistema anual de financiamento pelo vazio? É bom lembrar que entre o último concurso de bolsas (Julho 2016) e o primeiro concurso CEEC (Fevereiro 2018) decorreram cerca de 18 meses. Que oportunidades/perspectivas existiram nesse período? Qual a lógica de acabar com um sistema sem ter o seu substituto minimamente preparado? Note-se que seria utópico esperar um sistema afinado, mas no mínimo não afunilar (ainda mais) as parcas contratações existentes.

Novo exemplo: a rábula do DL57. Com as devidas distâncias, o DL57 conheceu quase tantas voltas e reviravoltas como o caso de Tancos. Claro que entre a sua aprovação e o seu início efectivo passaram mais uns largos e longos meses. Apreciei o pormenor da lei contemplar ou excluir pessoas consoante a data de término da sua bolsa: excelente promoção do mérito científico e pessoal. Proponho, aliás, que se adopte um sistema equivalente nas listas de espera na saúde: quem está inscrito há x tempo, salta fora. Os doentes excluídos podem tratar logo de falecer sem perturbar os serviços públicos e os doentes contemplados (sortudos!) talvez possam aspirar a um tratamento eficaz em tempo útil. Todos saem a ganhar!

Felizmente que quem ficou de fora, dispõe de ferramentas várias de contratação. A começar pelo CEEC em que a solução (de génio) perante os 4500 candidatos para os 500 lugares do primeiro concurso foi diminuir as vagas para 300 lugares nos seguintes. Seguindo pela contratação pelas Unidades de Investigação (curioso que o financiamento concedido às Unidades sofreu cortes tais que impossibilitam qualquer estratégia eficaz de contratação). Acabando nos projectos de investigação que, perante a retirada da obrigatoriedade de contratação, encontram mil e uma resistências das Unidades (e, perante a escassez dos seus recursos, até compreendo a posição) que dizem a alto e bom som para quem queira ouvir (aparentemente toda a gente que não a Fundação e o Ministério): “não façam contratos”. No meio deste imbróglio, surgem então as inenarráveis afirmações do Senhor Ministro com o seu propalado “pleno emprego científico” (lol como diziam os jovens do meu tempo).

Qual então a solução para este (potencial) apocalíptico cenário? Como bom português, não sei. No entanto, talvez consiga avançar com o problema de fundo: não há dinheiro. E, já diz o povo na sua sabedoria, “quem não tem dinheiro, não tem vícios”. Ocorreu-me também “não há dinheiro, não há palhaços”, mas esta alternativa não seria tão precisa: há muitos palhaços no cenário actual. Até posso aceitar que há sectores nevrálgicos que merecem maior investimento público – só não acho justo é, nesse caso, manter o paradigma “precisamos de mais doutorados” em vez de adoptar algo como “precisávamos de mais doutorados, mas não temos dinheiro para isso”.

Uma definição transparente e inequívoca desta premissa será, talvez, o primeiro passo para agir em conformidade e elaborar um plano de acção viável que não exclua oportunidades empresariais, mas que não caia na demagogia barata que todos os tópicos de investigação têm uma aplicação imediata. O que é, para mim, inconcebível é bradar a alto e bom som a qualidade da investigação portuguesa e não haver um apoio condizente com a mesma. Haja a hombridade de reconhecer: “não conseguimos fazer melhor com o orçamento disponível”.

E o que fazer até este pequeno/grande passo ser dado? Emigrar e/ou abandonar a investigação seriam hipóteses atraentes, mas sendo ingénuo e acreditando nas capacidades do meu país, irei estrategicamente deixá-las à parte. O que nos sobra? Uma visão cruel e cínica da vida diria “sobreviver”. Uma visão mais esperançosa e romântica talvez possa remeter novamente para o hino da Mocidade nomeadamente o verso “Lá vamos, que o sonho é lindo!”. Se o sonho se vai ou não realizar é a grande questão que asfixia toda uma comunidade.

 

A Ciência ao serviço da História (Parte II)

Num dos meus últimos textos, abordei um exemplo em que o uso de técnicas
disponíveis em Sincrotrão contribuiu para o avançar do conhecimento da História.
Vamos, hoje, ser totalmente inovadores e abordar um outro exemplo em que o uso de
técnicas disponíveis em Sincrotrão contribuiu para o avançar do conhecimento da
História (realce-se a riqueza estilístico-linguística empregue neste parágrafo).
No segundo quartel do século XIX, Louis Jacques Mandé Daguerre desenvolveu
o processo fotográfico que viria a ficar conhecido por daguerreótipo e que foi
apresentado em 1839 na Academia das Ciências de França. Usando uma placa de cobre
coberta por prata para o registo da imagem, os daguerreótipos são importantes
documentos que contribuem para a interpretação dos costumes, personagens e paisagens do quotidiano da época.
Vários exemplares intactos chegaram até aos nossos dias, mas vários outros
sofreram danos causados pela implacável passagem do tempo nomeadamente por
fenómenos de corrosão (tarnish em inglês). Torna-se, pois, interessante desenvolver
métodos capazes de restaurar daguerreótipos perdidos possibilitando a referida análise
histórica.
Este foi o ponto de partida para o trabalho desenvolvido por uma equipa de
investigação canadiana e que resultou numa publicação na revista Scientific Reports em
Junho de 2018 após publicações preliminares no ano anterior. Usando dois
daguerreótipos danificados da Galeria Nacional do Canadá, datados de cerca de 1850,
os autores procuraram identificar a composição química da corrosão com recurso a
técnicas disponíveis nos sincrotrões CLS (Canadian Light Source em Saskatoon,
Canadá) e CHESS (Cornell High Energy Synchrotron Source em Ithaca, Nova Iorque,
Estados Unidos).
Como que por magia, a verdade é que os daguerreótipos analisados, antes “m
branco”, revelaram o seu conteúdo (retratos de uma mulher e de um homem) após o
tratamento. Vale a pena consultar o artigo para perceber em detalhe a ciência por detrás
desta “magia” que, de forma telegráfica (uma expressão do passado que talvez hoje se
possa traduzir por tweet), assenta na procura e identificação de mercúrio (usado para
revelar as imagens originais) por micro fluorescência de raios-X.

Facilmente se percebe as potencialidades deste método não-invasivo e não-
destrutivo na recuperação de antigos documentos históricos o que será certamente uma
mais-valia na interpretação do passado. Para finalizar, deixo o link onde o artigo pode
ser encontrado: https://www.nature.com/articles/s41598-018-27714-5.

Notas soltas sobre Conferências

Para a temática “Conferências, Encontros, Congressos e afins”, resolvi eleger não um evento em particular, mas sim uma série de eventos que dão pelo nome de ENURS – Encontro Nacional de Utilizadores de Radiação de Sincrotrão.

Com realização anual, o primeiro ENURS realizou-se em 2012 na FCT/UNL – passando, desde aí, por Lisboa, Leiria, Coimbra, Oeiras, Alfragide voltando este ano à casa de partida – e teve por objectivo divulgar a investigação baseada em fontes de radiação de sincrotrão realizada em Portugal e aproximar a respectiva comunidade que, em traços gerais, se distribui pelas ciências dos materiais e ciências da vida.

De curta duração (por norma, um dia), o ENURS apresenta duas principais “partes”: comunicações orais de convidados de vários sincrotrões europeus (nomeadamente ESRF, Diamond e Alba) e comunicações orais dos participantes nacionais. Naturalmente que as questões científicas constituem o cerne das apresentações embora alguns aspectos mais técnicos e/ou burocráticos sejam também abordados pelos membros dos sincrotrões (por exemplo, especificações das beamlines e condições de acesso).

Há, claro, ainda tempo para a tradicional sessão de posters que, por norma, se prolongam durante o almoço e pausas entre conferências (vulgo coffee breaks). Os autores vão circulando entre os posters sem um tempo próprio para apresentar o seu trabalho e estabelecendo um contacto directo com os vários delegados (uma designação que sempre achei muito chique para designar os participantes).

Acaba por ser um encontro útil permitindo um contacto permanente não apenas com colegas, mas também com as últimas novidades dos sincrotrões cuja regular utilização é essencial para o desenvolvimento da investigação levada a cabo de Norte a Sul do país. Um dos pontos fortes do ENURS acaba por ser também uma fraqueza: juntando investigadores de áreas tão diferentes, permite um contacto com temas totalmente novos cuja compreensão nem sempre é fácil. Talvez se possa considerar a possibilidade de adoptar uma realização bienal embora o actual formato não seja de todo descabido.

E pronto, feito este breve apanhado das últimas sete edições, resta esperar pela oitava a realizar no Porto em 2019.